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Considerações sobre “ensino remoto” e “ensino a distância” no período da quarentena da Covid-19 no âmbito da UFABC elaborada pelo Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica (COMFOR-UFABC)

O presente documento tem como objetivo apresentar o posicionamento e recomendações do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica na Universidade Federal do ABC (COMFOR-UFABC) relacionadas à implementação do ensino não presencial na UFABC e, mais especificamente, à implementação do que tem sido chamado de "Quadrimestre Suplementar", em discussão no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (ConsEPE). O documento é resultado da sistematização de um grupo de
trabalho formado em reunião do COMFOR de 05 de junho de 2020. 


As atribuições do COMFOR, descritas em detalhes no seu regimento interno (portaria do COMFOR 003/2018), estão centradas na formação inicial e continuada de professores/as, destacando-se, no contexto do objetivo do presente documento, as seguintes competências: 

I. Assegurar a indução, a articulação, a coordenação e a organização de programas e ações de formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica no âmbito da UFABC;

II. Contribuir para a concepção, o planejamento, a organização, o desenvolvimento, a execução e a avaliação das políticas de formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica na UFABC, colaborando com as coordenações de cursos e pró-reitorias;

III. Conduzir propostas para a formulação e atualização da formação inicial e continuada em nível de graduação, pós-graduação e extensão na UFABC;

IV. Analisar os dados e informações gerenciais referentes à implantação e ao desenvolvimento de programas e ações de formação inicial e continuada de professores no âmbito da UFABC, bem como coordenar o monitoramento desses dados e o seu fornecimento ao MEC (FNDE, Capes) por meio de sistema informatizado;

Nesse sentido, o principal interesse do COMFOR nas discussões relacionadas ao ensino remoto refere-se à necessidade de avaliar os impactos das futuras decisões na formação de professores e professoras nos nossos cursos de Licenciaturas, incluindo os estágios curriculares supervisionados e também nos cursos de pós-graduação e extensão e em disciplinas dos Bacharelados Interdisciplinares.

Além disso, o COMFOR agrega professores-pesquisadores com grande experiência em educação, constituindo um espaço privilegiado para a discussão de perspectivas diversas sobre ensino e aprendizagem. Portanto, entendemos que o COMFOR deve se manifestar sobre decisões e encaminhamentos que extrapolam o contexto dos cursos de Licenciatura. Com esses elementos em conta, passamos a fazer as seguintes considerações: 


1. Não houve na história recente do Brasil um outro momento em que o conhecimento científico tenha sido tão negligenciado na tomada de decisões políticas como agora. Assim, de saída, é preciso pontuar que o debate sobre a mudança na modalidade de oferta de nossas atividades de ensino não pode negligenciar o conhecimento produzido por professores/as e pesquisadores/as nas áreas de educação e em ensino que atuam na UFABC. Muitos deles e delas, aliás, fazem parte do COMFOR.

A decisão sobre a adoção de um eventual "Quadrimestre Suplementar" não
pode ser tratada como um problema meramente administrativo-burocrático sem quaisquer outras implicações. Embora isso tenha ocorrido alguns meses atrás, quando se aprovou o Ensino Continuado Emergencial (ECE) sob o imperativo da urgência, o tempo da discussão do  "Quadrimestre Suplementar" é outro. Há na UFABC um grande acúmulo de trabalhos recentíssimos de acompanhamento de políticas educacionais emergenciais em redes de ensino da educação básica. Trabalhos que reverberam para fora dos muros da universidade, auxiliando órgãos de controle, Ministérios Públicos, movimentos sociais, sindicatos e Conselhos de Educação por todo o país a identificar situações de discriminação educacional e a mitigar tais problemas.

No entanto, todo esse conhecimento especializado tem sido sistematicamente ignorado dentro da própria universidade onde ele é produzido.

2. Ainda que não seja o suficiente, considerando a demanda por ensino superior no país, as instituições públicas passaram a contar, nos últimos anos, com um corpo discente mais condizente com a realidade social brasileira. A UFABC, por sua vez, tem a inclusão como um dos elementos norteadores de seu Projeto Pedagógico Institucional, e tem, efetivamente, um corpo discente diverso em muitos níveis. No entanto, no contexto do planejamento das atividades de ensino remotas, a universidade ainda não apresentou um levantamento consistente sobre as condições socioeconômicas e tecnológicas desses estudantes, etapa essencial para que as atividades acadêmicas aprovadas não ampliem as desigualdades que já atravessam as suas trajetórias universitárias.

3. A UFABC está finalizando a sua experiência com o ECE, aprovado em abril. Entendemos que uma dimensão fundamental de organização do "Quadrimestre Suplementar" é avaliar o que foi essa experiência. O relatório parcial recentemente apresentado precisa ser debatido na comunidade: seus fundamentos amostrais, suas lacunas descritivas e suas sérias incompletudes. 

É sabido, por exemplo, que os(as) docentes foram convidados(as) a aderir ao ECE sem as devidas condições para a realização de avaliações e demais atividades a distância. Pois no momento em que estamos (novamente) pensando em um modelo de oferta de atividades de ensino - com impactos muito mais duradouros, desta vez - é no mínimo necessário estabelecer um debate qualificado e referenciado em contribuições especializadas antes de adotar tais
medidas. 


4. Uma pergunta essencial que a instituição deveria se fazer no momento da suspensão do calendário acadêmico é: o que entendemos por educação pública? Tal pergunta vem acompanhada de várias outras indagações: o que é educar? O que fazemos na universidade? 

Como nos organizamos internamente do ponto de vista pedagógico? O que é indispensável para que a universidade pública não deixe de cumprir o seu papel? Sem refletirmos seriamente sobre essas questões, nossas decisões poderão ser guiadas por falsos dilemas e nos levarão a situações sempre mais desiguais. Decisões qualificadas sobre a  implementação de atividades acadêmicas não presenciais dependem de tempos e espaços de reflexão e discussão. Se a universidade pública não puder ser este espaço e não puder criar este tempo, que instituição
educacional poderá fazê-lo?

5. Dentro e fora da UFABC, a proposição e o planejamento de atividades acadêmicas não-presenciais não vêm sendo informados por conhecimentos especializados dos campos da educação e do ensino, que entendem a aprendizagem como um processo de socialização em uma certa comunidade, envolvendo a apropriação não apenas de conceitos e teorias, mas também de práticas e discursos próprios da comunidade. Esse processo envolve tanto o plano social quanto o plano individual, e é mediado pelo uso da linguagem. Portanto, no caso do ensino superior, a aprendizagem envolve a socialização em conceitos, práticas e discursos próprios ao campo acadêmico.

Evidentemente, essa visão mais complexa de aprendizagem importa grandes  desafios ao planejamento do ensino, pois reconhece a centralidade da mediação do/a docente (membro mais experiente no campo, que é responsável por introduzir o estudante aos aspectos mais centrais da participação nessa comunidade) e as interações entre estudantes. No contexto de transformações tão significativas em nossa oferta de ensino, não podemos nos orientar por visões limitadas da aprendizagem como mera transmissão de informações, como fenômeno restrito a processos cognitivos individuais. A compreensão dos processos educativos definitivamente não se limita aos fenômenos da cognição.

Apesar do reconhecimento da contribuição de campos como a psicologia para a educação, queremos destacar a contribuição de outros campos como a Filosofia, a Sociologia da Educação, a História da Educação, os Estudos do Currículo, o campo das Políticas Públicas, da Formação de Professores, da Educação mediada por Tecnologias, entre outros. A pesquisa acadêmica há muito vem evidenciando como tal visão pouco abrangente tem comprometido a aprendizagem em todas as faixas etária e modalidades de oferta educacional, com consequências sempre mais nocivas para grupos historicamente excluídos. No contexto específico do Ensino Superior, instituições da rede privada fornecem exemplos cotidianos de como esse tipo de atividade à distância pode comprometer a formação
em diversas áreas.

Portanto, é importante reconhecer que atividades acadêmicas não-presenciais trazem um grande risco de evasão e de precarização da formação de nossos/as estudantes, e que, portanto, devem ser planejadas com cuidado e atenção redobradas.


Diante do exposto, o COMFOR-UFABC recomenda alguns encaminhamentos, considerando inclusive discussões e propostas já encaminhadas ao ConsEPE e que são fruto dos diálogos entre membros da comunidade acadêmica

1. Quanto aos processos de planejamento e implementação de atividades acadêmicas nãopresenciais recomenda-se:

● Organizar e desenvolver avaliação de condições de participação de todxs os estudantes da UFABC com procedimentos que não estejam restritos a questionários online, com a implementação efetiva de uma política de busca ativa;

● Organizar procedimentos para a avaliação pedagógica das iniciativas institucionais de atividades acadêmicas não-presenciais. Isso envolve uma avaliação do ECE, bem como uma avaliação processual com o acompanhamento das atividades do "Quadrimestre Suplementar" e/ou quaisquer iniciativas institucionais de ensino não-presencial que
venham a ser adotadas. Neste segundo caso, destacamos que processos avaliativos de qualidade devem ser planejados antes da implementação das iniciativas, referenciados por conhecimentos acadêmicos específicos do campo da educação e liderados por pessoas que atuem neste campo. Assim, é fundamental que a comissão de avaliação do novo modelo conte com especialistas em educação, especialistas em avaliação pedagógica e representantes externos desde a elaboração dos instrumentos até a elaboração dos relatórios finais. Tal avaliação não pode prescindir do foco na mitigação da exclusão. Os danos causados pelo ECE em grupos historicamente marginalizados e excluídos não foram devidamente examinados e documentados, e este quadro precisa
ser revertido; 


● É fundamental que o processo decisório e de planejamento seja coletivo e institucional, garantindo-se a mobilização do conhecimento científico e acadêmico existente na UFABC. Seria inapropriado que a tomada de decisão ocorresse de forma individualizada, por exemplo, no âmbito de coordenações de cursos e de disciplinas. Assim, a definição de uma proposta deve ser ampla e profundamente discutida na comunidade, envolvendo instâncias de representação como o ConsUni;

● É essencial que a formação dos professores do ensino superior para atividades acadêmicas não-presenciais seja informada por conhecimentos acadêmicos sobre ensino e aprendizagem, formação de professores e formação de professores do ensino superior. Nesse sentido, é importante que tal formação reconheça o contexto de atuação e os
conhecimentos dos/as docentes, e, portanto, não pode ser pontual e/ou entendida apenas como pré-requisito, tendo como foco principal a instrumentalização para a aplicação de técnicas e ferramentas. e, por fim, seria um grande equívoco ignorarem-se as complexidades da aprendizagem reduzindo-as a um conjunto de competências e
habilidades instrumentais. É fundamental que a organização dessas ações de formação envolva a participação de docentes com destacada atuação na formação de professores (e há muitos em nossa comunidade), estabelecendo-se parcerias entre instâncias técnicas e pesquisadores-professores do campo da educação;

● É fundamental que as comissões formadas para as diferentes ações garantam a participação de membros docentes com experiência e atuação no campo acadêmico da educação e da inclusão;

● Todos os aspectos apontados indicam a necessidade de tempos e espaços apropriados para a elaboração de proposta de atividades acadêmicas não-presenciais. Nesse sentido, defendemos a proposta da ADUFABC de realização de um congresso para a construção de uma proposta consensual de formas de dar continuidade a nossas atividades de ensino, garantindo ao mesmo tempo a excelência da universidade pública que tanto almejamos.

2. Quanto a aspectos da proposta de atividades acadêmicas não-presenciais:

a) Para decisões de oferecimento de atividades acadêmicas não presenciais/disciplinas, deve-se ter em mente os riscos de comprometimento da qualidade do ensino (na disciplina e no curso), o problema da evasão e/ou implicações para a ampliação de desigualdades entre estudantes, bem como o estágio de formação em que o estudante se encontra.

Assim recomenda-se fortemente que:

● Disciplinas obrigatórias não sejam oferecidas como parte das atividades acadêmicas nãopresenciais, especialmente para alunos dos BIs (turmas grandes) e em início de curso; considerando que a aprendizagem sobre esses temas não pode ser comprometida dada a centralidade dessas disciplinas na formação dos estudantes, assim como considerando o maior potencial do desempenho nessas disciplinas ampliar desigualdades de oportunidades entre estudantes da UFABC.

● Os estágios curriculares das licenciaturas não sejam oferecidos remotamente, dada a natureza desse componente;

● Seja realizado um mapeamento de estudantes que estão em fase final de conclusão de curso para garantir o atendimento das demandas daqueles que precisam se formar rapidamente. b) É importante garantir alguns aspectos estruturais nas várias atividades não-presenciais, assim recomenda-se que:

● As turmas criadas para as atividades acadêmicas não excedam 25 estudantes, e contem com um monitor para garantir o acompanhamento adequado da aprendizagem dos estudantes;

● As coordenações de cursos criem grupos de planejamento, no caso de optarem pelo oferecimento de disciplinas em modalidade não-presencial, ou seja, o planejamento deve ser coletivo;

● Sejam observados os limites das avaliações realizadas de forma não-presencial, bem como a organização do tempo de trabalho dos estudantes nesses componentes curriculares.

● Atividades assíncronas sejam priorizadas e atividades síncronas não sejam utilizadas para avaliação ou para contabilizar frequência, mas que se busque garantir a interação entre professores/as e alunos/as fundamental para uma educação de qualidade. c) Destaca-se que alguns aspectos de acompanhamento das várias atividades não-presenciais que merecem particular atenção incluem:

● Criação de grupos de apoio para receber dados sobre evasão e realizar busca ativa semanal dos estudantes evadidos do processo (deve ser criada força-tarefa específica dentro da Universidade);

● Criação de comissões pedagógicas para acompanhamento das atividades de educação não-presencial com a incumbência de propor melhorias durante o processo, bem como identificar demandas dos/as docentes e estudantes a partir dos dados coletados pela força-tarefa de busca ativa;

● Implementação de políticas para garantir - ao menos em teoria - acesso a todos os recursos necessários à participação de todos e todas estudantes nas atividades não-presenciais.

Registrado em: Documentos de Grupos de Trabalho
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